quarta-feira, 9 de junho de 2010

Mandinga coorporativista....


O ISAAA (Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia, na sigla em inglês) é uma ONG das empresas de biotecnologia que anualmente divulga um relatório apresentando dados sobre o cultivo de transgênicos em todo o mundo. Os dados são amplamente divulgados como verdadeiros pela imprensa nacional e internacional. Entretanto, como já dissemos no Boletim 478, a organização em geral não divulga suas fontes -- o que torna as informações questionáveis. O Brasil, por exemplo, não possui dados oficiais sobre a área plantada com transgênicos. Por que deveríamos su por que o ISAAA não superestimaria os números buscando atender os interesses da indústria?

A ONG estadunidense Food First publicou este mês um artigo justamente questionando os dados apresentados pelo ISAAA em seu último relatório. Confira abaixo a tradução feita pela AS-PTA:

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A ciência da esperança: relatório do ISAAA sobre lavouras transgênicas

“O mundo em desenvolvimento abraça a controversa tecnologia”, declarou o título de um artigo recente da revista Economist, referindo-se às lavouras geneticamente modificadas. Esta é uma afirmação um tanto chocante a ser atribuída tão categoricamente ao mundo desenvolvido como um todo. Certamente deve estar fundamentada em um conjunto de dados provenientes pesquisa rigorosa e eticamente sólida...

O artigo apresenta o relatório recentemente divulgado pelo ISAAA. (...) Embora a Economist classifique o grupo como uma “organização não governamental que monitora o uso de sementes transgênicas”, o ISAAA é na verdade um grupo financiado pelas indústrias para exercer influência política, cuja missão é promover a adoção das sementes transgênicas em países em desenvolvimento. Entre os financiadores passados e atuais estão a Monsanto, Syngenta, Pioneer Hi-Bred, Cargill, Dow, DuPont, Bayer CropScience e CropLife International. Desde a divulgação do relatório “Situação Global& rdquo; em fevereiro último, as estatísticas do ISAAA já foram citadas em artigos do New York Times, Financial Times, Wall Street Journal e USA Today. Dos quatro, apenas o USA Today observa que o ISAAA é “financiado pela indústria de biotecnologia” .

E, enquanto a indústria, governos e a mídia continuamente citam as estatísticas do ISAAA, uma análise mais cuidadosa dos últimos relatórios revelaram números altamente exagerados baseados em ciência duvidosa. Por exemplo, a revista Science in Society relatou as seguintes discrepâncias:

- O relatório do ISAAA de 1998 alegava aumentos de produtividade da soja transgênica em relação à soja convencional da ordem de 12%. Entretanto, uma revisão dos resultados de mais de 8.200 testes de campo feitos em universidades mostraram uma redução média de 7% para a produtividade da soja transgênica.

- Em 2003, o ISAAA listou a Índia como um “produtor chave de transgênicos” baseado na primeira lavoura transgênica do país, o algodão Bt. De acordo com o ministério de agricultura da Índia, no entanto, em 2002/2003 “o algodão Bt cobriu uma área de apenas 38.038 hectares, representando apenas 0,51% da área plantada com algodão naquela safra. Em 2003/2004, safra que foi beneficiada por boas chuvas, a área de algodão Bt aumentou para 92.000 hectares. Esta área é quase insignificante comparada aos 9 milhões de hectares cultivados com algodão no país. Isto mostra a baixa aceitação do algodão Bt entre os agricultores.

- Analisando a produção de algodão transgênico na África do Sul em 2003, Aaron de Grassi, do Instituto para Estudos em Desenvolvimento da Universidade de Sussex, no Reino Unido, notou que os números do ISAAA eram 20 vezes maiores do que aqueles alegados por outras fontes da própria indústria de biotecnologia e mais de 30 vezes maiores do que aqueles oriundos de pesquisas acadêmicas realizadas pela Universidade de Reading, também no Reino Unido.

No relatório, o ISAAA atesta que as lavouras transgênicas na África do Sul têm sido um inconteste sucesso, com o total da área plantada com sementes transgênicas aumentando de 1,8 milhão de hectares em 2008 para 2,1 milhões de hectares em 2009 -- um incremento de 17% “atribuído principalmente a um aumento na área plantada com milho transgênico”. O relatório deixa de mencionar a quebra de produção de 80% sofrida por variedades transgênicas de milho da Monsanto na África do Sul em 2008/2009. Segundo a ONG African Center for Biosafety, da África do Sul, a informação do ISAAA sobre o país se baseia em dados do FoodNCropBio, uma empresa privada de consultoria sobre biotecnologia, que obtém seus dados de registros confidenciais de vendas de sementes e estimativas baseadas na “intenção de plantar”. Como o governo não realiza o levantamento do número de hectares plantados com sementes transgênicas no país -- e como os grãos transgênicos e não transgênicos não são armazenados separadamente -- é praticamente impossível se verificar os números.

Acima de tudo, o ISAAA observa um aumento de 9 milhões de hectares da área plantada globalmente com transgênicos entre 2008 e 2009 -- um aumento de 7%. Um olhar mais de perto sobre os números mostra que a esmagadora maioria deste aumento ocorreu em apenas um punhado de países. O Brasil sozinho responde pelo aumento de 5,6 milhões de hectares em 2008 -- 62% do aumento “global” total. Os três maiores produtores de transgênicos -- EUA, Argentina e Brasil -- contabilizam 82% (7.4 milhões de hectares) da área plantada com transgênicos. Dificilmente alguém poderia alegar um fervor global pelas lavouras transgênicas baseado nesses três países. (...)

Em uma brilhante estratégia de Relações Públicas, as indústrias químicas e de sementes conseguiram transformar propaganda em ciência através de organizações “sem fins lucrativos” como o ISAAA. A cobertura não crítica da mídia sobre o relatório anual “Situação Global” proporciona propaganda grátis para estas corporações e perpetua o mito da aceitação global aos transgênicos.

Talvez pior que isso, medir o “sucesso” das lavouras transgênicas com base no número de hectares plantados se apoia na falácia de que agricultores e consumidores fizeram uma escolha livre e informada sobre plantar e consumir produtos transgênicos. Na verdade -- como sugerem as batalhas em torno da rotulagem de alimentos transgênicos -- uma cidadania informada e empodeirada é o pior pesadelo da indústria de biotecnologia.

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