quinta-feira, 3 de junho de 2010
SAF MERMÃO!
Floresta que produz renda
Sistemas agroflorestais permitem a convivência harmoniosa de culturas gerando ganhos ao pequeno produtor e garantindo a preservação ambiental
Quatro famílias do Litoral estão aplicando a produção agroflorestal que já é sucesso há 15 anos em Adrianópolis e Bocaiúva do Sul
Morretes - No início de maio, dois agricultores de Morretes, no Litoral do estado, abriram os portões de suas terras, dois lotes da Gleba Pantanal, um assentamento do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), de cerca de 2 alqueires cada um, para começar ali um sistema de plantio diferente do tradicional. Ao invés de reservar áreas específicas do terreno para cada espécie, como verduras e legumes, mandioca, banana e pés de limão e tangerina, por exemplo, todas estas plantas foram plantadas juntas, em distâncias e espaços cuidadosamente planejados, para que se desenvolvam de maneira harmoniosa, cada uma dentro do seu ciclo de vida.
A técnica tem nome. Chama-se Sistema Agroflorestal, também conhecido como SAF, uma forma de usar a terra de forma semelhante a uma floresta. Ou seja, no mesmo espaço, combina-se árvores frutíferas e madeireiras com cultivos agrícolas, ou até mesmo com a criação de animais, de forma simultânea ou em sequência temporal, e que vão interagir econômica e ecologicamente.
No Paraná, o sistema já está em uso há cerca de 15 anos na região do Vale da Ribeira, nos municípios de Adrianópolis e Bocaiúva do Sul, localizados ao norte de Curitiba. O sistema foi desenvolvido pela Cooperafloresta, que, apesar do nome, funciona como uma associação, envolvendo 110 famílias de agricultores familiares de Barra do Turvo, município paulista na divisa com o Paraná, de Adrianópolis e Bocaiúva do Sul.
No Litoral, quatro agricultores já implantaram o sistema, dois em Morretes e dois em Antonina. A idéia de levar o sistema para o Litoral partiu de técnicos da Embrapa Florestas, de Colombo (Região Metropolitana de Curitiba), e contou com apoio de outros órgãos como o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), prefeituras, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia (Seti), que viabilizou recursos, e da Cooperafloresta, que está ensinando a técnica aos agricultores. A atividade faz parte do Projeto Juçara, criado há um ano pela Seti e Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), com objetivo de preservar a palmeira juçara, típica da região. A juçara está em extinção vítima de corte ilegal para extração do palmito. A árvore, no entanto, também produz frutos, cuja polpa é muito semelhante ao açaí.
O engenheiro agrônomo Luís Cláudio Maranhão Froule, pesquisador da Embrapa, conta que a idéia surgiu a partir de algumas demandas na região. A primeira, em função de um levantamento feito pelo Conselho Regional de Desenvolvimento Rural, Pesqueiro e do Artesanato do Litoral Paranaense (Cordrap), que apontou dez espécies nativas em risco, entre elas a juçara e a caxeta (que produz uma madeira macia). A segunda, foi o fato do local estar próximo de uma Área de Preservação Ambiental (APA), o que acarreta em muitas restrições para exploração do local.
A primeira preocupação foi garantir que a população local continuasse produzindo juçara, ''mas sem caracterizar uma atividade ilícita'', ressalta Froule. Ele conta que a juçara produz o palmito em quatro anos, mas é preciso cortar a árvore para extraí-lo. Já o fruto aparece a partir de oito anos, mas tem caráter longíveo, ou seja, vai dar frutos todo ano por 30 anos ou mais. ''Quando pensamos em inserir a juçara em um sistema de produção, já se pensou em um sistema estratificado' ', explica. Isto porque a juçara é uma espécie que requer sombras e, portanto, não poderia ser plantada em sistema de monocultura.
Maigue Gueths
Equipe da Folha
22/05/2010
Colheita garantida sempre
O engenheiro florestal Artur Dalton Lima, da Cooperafloresta, foi chamado para ensinar os agricultores do Litoral. ''O sistema é baseado na dinâmica sucessional da floresta. Têm sementes de tudo que é tipo no solo, esperando uma oportunidade, umas precisam de frio, outras de calor, de seca, de água'', resume. Falando assim, parece um caos na terra, mas na verdade todo o plantio é rigorosamente planejado.
A experiência pode ser vista no terreno do agricultor Élcio Alves de Alencar, em Morretes. Ali, a área destinada ao SAF foi organizada em carreiras, onde foram plantadas cerca de 60 espécies, intercaladas e em distâncias pré-determinadas, entre árvores nativas e agrícolas, com destaque para a palmeira juçara, banana e mandioca.
No meio da carreiras, a cada dois metros foram plantados seis tipos de bananeiras, intercaladas por pés de mandioca, aipim e inhame. Entre eles, culturas anuais, como o feijão e vagem. Na beirada das carreiras, há pés de árvores frutíferas, como limão, tangerina, abacate, pitanga, araça, jabuticaba, entre outras, e várias verduras. A substituição das espécies de ciclo curto vai acontecendo a medida que as outras crescem e fazem sombra, exigindo outras culturas.
As árvores, por sua vez, são manejadas com a poda, o que vai ajudar na recuperação do solo, e abrir possibilidade para novas culturas. Segundo o engenheiro agrônomo Luís Cláudio Maranhão Froule, engenheiro agrônomo da Embrapa Floresta, após uns três anos, a produção estará bastante focada em cima da colheita de frutas. ''A idéia é manter este sistema no campo o maior tempo possível'', diz Froule, ressaltando que em 30 anos, por exemplo, o agricultor poderá também pegar a madeira cultivada.
Artur Lima explica que a adubação é natural. Na parte de solo mais pobre, ele cobre toda a terra com uma forração de capim. ''O capim é rico em carbono, as folhas fazem a terra ser mais porosa, a não ressecar. Ao contrário dos agrotóxicos que ficam na terra, infiltram e contaminam o lençol freático, esse sistema traz vida à terra, aumenta a fartura e a diversidade, assim como aconteceria em uma floresta'', diz o engenheiro florestal da Cooperafloresta.
Élcio Alencar e a esposa, que moram há quatro anos na área em Morretes, plantam e vendem cana-de-açúcar, juçara, banana e principalmente mandioca, maior fonte de renda do casal. Por mês ele vende aproximadamente 1.200 quilos de mandioca para restaurantes da região. Outras culturas, como feijão, arroz, milho são só para consumo próprio. Ele se diz confiante no novo sistema. ''Estamos experimentando, o que é rasteiro, a salsa e a cebolinha vão crescer rápido, mas o mais rentável vai demorar'', diz ele, que acredita que a espera vale a pena. ''Esse tipo de produção vai ajudar a fortalecer a terra e é melhor para a saúde das pessoas'', aposta o agricultor. (M.G.)
22/05/2010
Bom para o produtor e para o meio ambiente
As vantagens no uso do Sistema Agroflorestal para o cultivo em relação ao convencional, tanto econômica como ambientais são várias. Para os agricultores familiares, os SAFs são uma opção estratégica, em função da diversificação da produção, que vai garantir colheitas em diferentes épocas do ano e durante vários anos. É uma garantia de produção tanto para o mercado como para a subsistência, com menos riscos climáticos e de mercado. Ou seja, significa mais rentabilidade.
Outra vantagem é que a área pode ser usada permanentemente, minimizando as derrubadas e queima de novas áreas, o que aumenta as chances de fixação do homem no campo. O sistema também reduz a demanda de fertilizantes em razão da eficiente ciclagem e da adubação orgânica, resultando em melhoria das propriedades físicas e biológicas do solo e na preservação da biodiversidade. Outro aspecto que determina a sustentabilidade desses sistemas é a presença das árvores, que têm capacidade de capturar nutrientes de camadas mais profundas do solo.
No lote do agricultor Élcio Alves de Alencar, a Embrapa decidiu aproveitar para fazer uma pesquisa. Ao lado do plantio do sistema, foi isolada uma área de mesmo tamanho, chamada de ''área testemunha'' , onde não foi feito absolutamente nada, deixando-a para regeneração natural da floresta. A idéia é comparar como será a recuperação das duas áreas. E a expectativa é que a prática da indução de um sistema agroflorestal, com plantio de espécies florestais e agrícolas, apresente melhores resultados do que simplesmente abandonar a área para que ela se recupere sozinha.(M.G. )
22/05/2010
Sistema garantiu qualidade de vida no campo
No Vale da Ribeira, a experiência dos Sistemas Agroflorestais já é realidade há quase 15 anos, ou mais exatamente desde 1996, quando duas famílias de agricultores da região deram início à Cooperafloresta. De lá para cá, a cooperativa de agrofloresta cresceu e hoje reúne 110 famílias de agricultores e quilombolas de 19 bairros de Barra do Turvo, no lado paulista, e dos municípios paranaenses de Adrianópolis e Bocaiúva do Sul.
''Muito mais do que uma alternativa de produção e geração de renda que conserva o meio ambiente, muitos de nós encontramos uma razão e sentido para a vida'', cita o site da entidade. Ali, uma das regiões mais pobres e de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado, mais do que uma alternativa de produção, o sistema resultou também em garantia de boa alimentação, com fartura e diversidade, para a população local.
Antes da agrofloresta, as famílias sobreviviam da produção de feijão cultivado em solos empobrecidos pelas queimadas e pela erosão. Cada produtor vendia sua colheita por conta própria, viajando de ônibus para cidades vizinhas. Para engrossar a renda, tinham que fazer bicos em outras áreas. Naquele tempo, a renda familiar não passava de 2 salários mínimos por ano.
Hoje, 180 hectares são cultivados pelo sistema de agrofloresta. Outros 360 hectares foram deixados para ação do processo natural de regeneração florestal, onde estão crescendo mais de 1 milhão de mudas de árvores e palmeiras nativas e exóticas. Na área de plantio, já foram plantadas uma das frutas mais caras do mundo, o mangustão, e diversas frutas amazônicas, além de verduras, bananeiras, jaca, mandioca, cana-de-açúcar, entre outros produtos.
A comercializaçã o, por sua vez, passou a ser feita coletivamente pela cooperativa. A maior parte (61%) vai para o Programa de Aquisição da Agricultura Familiar, que distribui os alimentos para escolas e creches, cerca de 26% são vendidos em Feiras Ecológicas de Curitiba, 6% vão para o Circuito de Comercializaçã o da Rede Ecovida de Agroecologia e 7% para o pequeno varejo.
Com isso, a renda das famílias aumentou de dois para 12 salários mínimos anuais. ''Melhorou demais. Antes eu só tinha uma lavoura, plantava milho. Ás vezes, limpava a terra, plantava e não dava nada. Agora nós plantamos menos, mais variado, e colhemos e ganhamos mais'', comemora o agricultor Urias Assis da Mota, de Barra do Turvo, há quatro anos no sistema agroflorestal.
Em sua terra de um alqueire, onde vive com a mulher e dois filhos, ele produz entre 25 a 30 caixas de produtos por semana, o que lhe garante um ganho de 1,5 a até dois salários mínimos por mês. ''A partir do momento que você começa a colher, não para mais. Eu estou sempre colhendo'', diz. (M.G.)
Fonte: Folha de Londrina - Folha Rural - 22.maio.2010
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